A História do Brasil é recheada de golpes de Estado. Algumas tentativas não dão certo, como a dos bolsonaristas após as eleições de 2022. Outras, como a dos militares em 1964, resultaram em décadas de violência institucional contra os opositores da ditadura instaurada pelos golpistas.
Em 2016, a presidente da República Dilma Rousseff (ou presidenta, como ela gostava de ser chamada) foi destituída do cargo pelo Congresso Nacional após um processo de impeachment irregular, que não apontou qualquer crime de responsabilidade cometido por ela. Ao ser retirada do cargo, Dilma foi substituída pelo vice, Michel Temer — que, de imediato, aliou-se a políticos da oposição para formar um novo time de ministros.
Dessa forma, o governo conduzido por Temer, em vez de dar prosseguimento ao projeto eleito pelo povo, colocou em prática o plano que havia sido derrotado nas urnas. A mudança repentina de rumo, que desrespeitou a vontade popular, somada à ausência de crime de responsabilidade por parde de Dilma, configurou o impeachment de 2016 como mais um golpe de Estado no Brasil.

Mas mesmo que o golpe tenha se consumado de fato, é fundamental destacar que houve resistência contra ele em todo o país. A revolta com a destituição ilegal de Dilma mobilizou diversos atores da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, entidades de classe, estudantes, intelectuais e artistas — que realizaram uma série de protestos nas grandes cidades para tentar impedir a injustiça do impeachment.
A resistência na capital gaúcha
Naquela época, eu trabalhava em Porto Alegre como jornalista correspondente da Agência Brasil — enviando notícias de toda a região Sul do país para a redação do portal, em Brasília. Confesso que perdi as contas de quantos protestos contra o golpe tive a oportunidade de cobrir ao longo daqueles meses, porque não foram poucos.
Espero, inclusive, que as fotos e relatos que trago neste artigo ajudem a contrapor aquela imagem generalista de um povo gaúcho supostamente alinhado com ideias reacionárias e fascistas. A verdade é que o Rio Grande do Sul sempre foi palco de muita resistência popular nos momentos mais cruciais da História do Brasil.

Na capital gaúcha, o ponto de concentração tradicional das manifestações populares é o local conhecido como Esquina Democrática — um largo formado no cruzamento da Avenida Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas, no Centro Histórico.
A maioria dos protestos ocorria em dias de semana. Geralmente, os manifestantes começavam a se reunir a partir das 18h, na medida em que encerravam o dia de trabalho.
Via de regra, o ato era iniciado com discursos contundentes de lideranças políticas e sociais, que buscavam inflamar o povo presente contra o processo de impeachment em curso. Depois de algumas horas, os manifestantes saíam em marcha pelas ruas centrais de Porto Alegre proferindo gritos e palavras de ordem como “fora Temer” e “não vai ter golpe”.

Além de Michel Temer e dos golpistas no Congresso Nacional, os manifestantes porto-alegrenses (e em todo o país) também direcionavam seus protestos contra os grandes veículos privados de imprensa. Isso porque a narrativa política que preparou terreno para o impeachment de Dilma Rousseff foi fortemente alimentada pela mídia privada.
Nesse contexto, naturalmente, o alvo dessa revolta contra a imprensa se materializou na TV Globo — inquestionavelmente, o veículo de comunicação que há muitas décadas detém a liderança em termos de audiência e influência no debate público.

Em Porto Alegre, a raiva dos manifestantes contra a grande mídia foi dirigida ao Grupo RBS, filial da Globo no Rio Grande do Sul. Como contexto, é importante lembrar que naquele momento histórico, dois dos três senadores gaúchos eram ex-comentaristas da RBS e apoiadores ferrenhos do golpe: Lasier Martins e Ana Amélia Lemos.
Assim, naturalmente, as marchas contra o impeachment na capital gaúcha percorriam com frequência um caminho que levava até a sede da empresa de comunicação, na Avenida Ipiranga. E era justamente nas proximidades da RBS que a Brigada Militar costumava entrar em ação contra os manifestantes.


Naquele ano, o Desfile da Independência no dia 7 de setembro também foi marcado por uma forte tensão em Porto Alegre. Naquela altura, Dilma já havia sido deposta e Michel Temer governava o país. Mas o sentimento de inconformação ainda estava muito vivo no coração de quem protestava pela democracia.
Lembro que no dia do desfile, os militares exibiam suas tropas e blindados na Avenida Edvaldo Pereira Paiva, na orla do Guaíba, para um público formado por milhares de pessoas que simpatizavam com o golpe. Sabe aquela gente que vestia camisa da Seleção Brasileira e considerava o então juiz Sérgio Moro como o grande herói nacional?
Acontece que no mesmo dia 7 de setembro, todos os anos, os movimentos sociais do campo e da cidade também costumam realizar em algumas capitais a marcha do Grito dos Excluídos. Naquele ano de 2016, logo após o golpe, e com o novo presidente Temer acelerando cortes de direitos históricos da classe trabalhadora (Reforma Trabalhista e Reforma da Previdência), o ato popular foi tomado por um forte sentimento de revolta.

Foi nesse clima de indignação que o Grito dos Excluídos de 2016 marchou em direção ao local onde era realizado o desfile cívico-militar de 7 de setembro. Os manifestantes só foram impedidos de prosseguir quando estavam praticamente ao lado do evento, e isso porque se depararam com um agrupamento do Exército fortemente equipado.
Mesmo com a ameaça de um confronto desigual contra os militares, os manifestantes permaneceram concentrados a poucos metros do desfile, entoando gritos e cantos de protesto. A foto que abre este artigo, inclusive, mostra o momento exato em que os veículos blindados passam ao lado dos militantes dos movimentos sociais.
Apesar das tensões, naquele dia 7 não foram registrados confrontos envolvendo manifestantes ou militares.
No fim, teve golpe; mas também houve resistência
“Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A História será implacável com eles”. Essa frase de Darcy Ribeiro foi destacada no discurso de despedida de Dilma Rousseff ao deixar a presidência do Brasil, após o golpe.

De fato, a cada ano que passa, a História está derrubando todas as máscaras e expondo o verdadeiro rosto dos “vencedores” do golpe de 2016.
Dilma Vana Rousseff, por outro lado, goza atualmente de imenso prestígio internacional. Em março de 2025, inclusive, ela foi reeleita para mais um mandato como presidenta do Banco dos BRICS, com sede em Xangai, na China.
Hoje, portanto, Dilma é apenas a pessoa responsável pela chave de um dos cofres mais importantes do planeta.
Quanto a Porto Alegre: a capital gaúcha mostrou, em 2016, que a democracia se defende nas ruas — e que a resistência popular é parte indissociável da história brasileira.


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